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Talvez pela necessidade de ter o seu próprio tempo passado arrumado, devidamente estruturado no exterior de uma memória que pode falhar, Ruy Belo guardava tudo, desde os mais importantes documentos, até aos pequenos bilhetes de deslocações, em transportes públicos, que efectuava. Há todo o registo dos aspectos de uma vida funcional, as contas que foram pagas, as compras a fazer, as pequenas notas de tarefas quotidianas, as listas de contactos de amigos, com moradas e telefones, as datas de aniversários, e muitos outros documentos. Depois, sem que consigamos definir uma clara linha de separação, há os documentos relacionados com a escrita poética e com todo o processo criativo. Num olhar atento percebemos que há uma contaminação, que se espalha, que se dissolve, que ressurge noutros papeis. No meio de documentos de natureza diversa, encontramos palavras isoladas, que nada têm de relação com esse mesmo documento. Podemos encontrar um verso num bilhete de autocarro, ou um poema nas costas de uma factura. Este é um mundo que se vai abrindo de uma forma perturbadora, na consciência de quem neles fixa o olhar. A procura de um poema, a comunicação pela palavra, estava omnipresente em todos os aspectos da vida de Ruy Belo. >
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